Entre as maiores complicações de uma gravidez estão a hipertensão arterial, a pré-eclâmpsia e o diabetes gestacional – sendo a hipertensão a principal causa de mortalidade materna e uma das grandes preocupações dos obstetras durante o pré-natal.
A ciência já sabe que a mulher que teve um problema cardíaco na gravidez tem risco maior de desenvolver doenças cardiovasculares no futuro. Agora, um estudo publicado no JAMA Cardiology aponta que oito em cada 10 mulheres que tiveram distúrbios hipertensivos na gestação continuam com o problema persistente ou grave após a alta hospitalar, o que reforça a necessidade de monitoramento contínuo dessas mães.
Para chegar aos resultados, pesquisadores do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Ciências Reprodutivas da Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, avaliaram 2.705 mulheres durante seis semanas após o parto e constataram que 81,8% delas apresentavam hipertensão contínua depois da alta hospitalar.
Em comparação com aquelas que tinham a pressão normal, elas apresentaram maior probabilidade de visitas ao pronto-socorro e até de reinternação. Dessas, 14,1% (382) desenvolveram hipertensão grave e 22,6% (610) começaram a tomar medicamentos anti-hipertensivos após a alta.
E esses resultados não se restringem ao cenário do estudo. “Tem sido cada vez mais frequente a observação de persistência de hipertensão logo após o parto, mesmo casos graves, com necessidade de reinternação e, por vezes, com fatalidades”, relata a ginecologista e obstetra Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto, do Hospital Israelita Albert Einstein.
“Isso mostra que a situação não se resolve apenas com o parto, e a paciente deve continuar recebendo medicação anti-hipertensiva e atenção médica até melhora completa”, alerta a médica, que também é responsável pela enfermaria de Gestação de Alto Risco no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
A hipertensão arterial, que pode afetar até 13% das mulheres grávidas, é responsável pela maioria dos óbitos maternos e ainda por alterações no crescimento fetal e até pela morte. Pode ser um caso de hipertensão prévia à gestação (ou que seja diagnosticada logo no início do pré-natal), a chamada “hipertensão arterial crônica”; ou se manifestar na segunda metade da gravidez, recebendo o nome de “pré-eclâmpsia”. Como o tratamento da pré-eclâmpsia é o parto, as taxas de prematuridade também são altas nessas condições.
Segundo Bortolotto, a pré-eclâmpsia pode acontecer em qualquer gestante (estima-se que afete de 2% a 3% das grávidas), mesmo em quem não tem histórico de hipertensão arterial. No entanto, o problema é mais frequente em mulheres que já são hipertensas e entre aquelas que nunca engravidaram, nas gestações múltiplas, em pacientes com trombofilias ou que tenham doenças renais, reumatológicas ou diabetes.
“É importante ressaltar que a pré-eclâmpsia não se manifesta somente com a elevação dos níveis de pressão arterial, ela é acompanhada de perda de proteína pela urina [chamada proteinúria], decorrente de comprometimento renal”, explica a ginecologista e obstetra. Nem todas as mulheres, porém, têm a proteinúria. “Mas elas podem ter níveis muito altos de pressão arterial ou apresentarem manifestações neurológicas, cardíacas e pulmonares, no fígado, ou mesmo alterações sanguíneas, além de comprometimento placentário e, consequentemente, fetal”, completa.
O aumento leve da pressão arterial na segunda metade da gravidez, sem perda de proteína na urina e outras manifestações de gravidade, recebe o nome de “hipertensão gestacional”. Porém, quase metade desses casos evolui para a pré-eclâmpsia. “Muitas permanecem hipertensas após o parto, sendo reclassificadas como hipertensas crônicas”, explica Bortolotto.
Como suspeitar do problema?
O acompanhamento pré-natal é fundamental para evitar que as gestantes desenvolvam esse complicador. A pressão arterial é considerada alta na gestação quando a pressão sistólica (o número “maior”) é igual ou superior a 140 mmHg e/ou quando a pressão diastólica (o número “menor”) é igual ou superior a 90 mmHg (o que chamamos de 14 por 9).
O diagnóstico é feito pela aferição da pressão arterial durante as consultas do pré-natal, mas é importante frisar que uma única medida de pressão não faz o diagnóstico – é necessário repetir a medida após algumas horas ou dias. “Normalmente, a pressão alta, mas não muito alta, não costuma dar sintomas. Eles costumam se manifestar quando a pressão está acima de 16 por 10. Daí a importância de uma boa assistência pré-natal”, observa a médica.
Deve-se suspeitar de pré-eclâmpsia em mulheres que têm hipertensão arterial na segunda metade da gravidez, acompanhada de proteinúria (perda de 300 mg ou mais de proteínas em urina de 24 horas), ou ainda nos casos de inchaço generalizado (chegando a ganhar mais de 1kg por semana) e manifestações de comprometimentos de múltiplos órgãos.
“Nos casos de hipertensão ou pré-eclâmpsia grave, a paciente deve ser hospitalizada até o parto. Mas, antes que isso ocorra, deve-se tratar a pressão alta com medicamentos, e há muitos anti-hipertensivos que podem ser dados para gestantes”, afirma a especialista.
A grávida com pré-eclâmpsia também pode ter um comprometimento neurológico que causa cefaleia persistente, acompanhada de perturbações visuais, náusea e vômito. Além disso, ela pode se queixar de dores na parte superior do abdômen, ter um aumento das enzimas produzidas pelo fígado, comprometimento da função dos rins, redução do número de plaquetas (componentes do sangue que agem na coagulação), sinais de hemólise (destruição dos glóbulos vermelhos) e aumento de bilirrubina (icterícia).
“Quando tudo isso acontece ao mesmo tempo, recebe o nome de síndrome de HELLP. Essa é uma condição de muita gravidade e risco de morte. Quando o comprometimento neurológico é intenso, o edema cerebral associado a alterações vasculares leva à ocorrência de convulsões [que seria a eclâmpsia propriamente dita], ou até sangramentos cerebrais, também com muita gravidade”, alerta Bortolotto.
De acordo com a médica, a pressão arterial costuma normalizar na maioria das mulheres dias ou semanas após o parto. Mas existe o risco aumentado de hipertensão arterial, doença cardiovascular, acidente vascular cerebral (AVC) e até insuficiência renal no futuro. Daí porque essas mulheres devem ficar sob vigilância clínica para reduzir o risco de doença cardiovascular no futuro.
Tem como prevenir?
Segundo Bortolotto, existem algumas propostas para minimizar os riscos. Antes de engravidar, a mulher deve fazer uma avaliação clínica para detecção de hipertensão arterial ou de fatores de risco. Durante o pré-natal, ainda no início da gravidez, ela deve fazer exames para classificar a estimativa de risco de pré-eclâmpsia. “Na presença de risco aumentado, a orientação é fazer a prevenção com ácido acetilsalicílico e suplementação de cálcio. Essas medidas podem não impedir todos os casos, mas reduzem a probabilidade”, explica.
Ainda no pré-natal, a mulher deve fazer a monitoração contínua dos níveis de pressão arterial, ficar atenta ao inchaço exagerado e tratar a hipertensão arterial, se ela for diagnosticada. Para casos de pré-eclâmpsia grave, ela deve ser internada e o parto antecipado para 37 semanas ou até menos, dependendo da gravidade.
No pós-parto, é fundamental tratamento anti-hipertensivo, inclusive com medicamentos mais potentes, que não poderiam ser administrados durante a gravidez. Além disso, o ideal é que a mulher só receba alta quando estiver medicada e com a pressão estabilizada. A orientação é que essa paciente seja acompanhada no pós-parto e ao longo da vida.
Fonte: Agência Einstein